25/01/2022

Notícias de uma guerra particular (documentário)

 

Link para o documentário: https://www.youtube.com/watch?v=lg0F8Wpi2HM

O documentário retrata o cotidiano de favelas do Rio de Janeiro-RJ, sob três perspectivas: a do policial, a do traficante e a dos moradores locais. Traz depoimentos de pessoas ligadas ao tráfico, de moradores que lidam com essa realidade hostil diariamente e também relatos de policiais que atuam no Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) no Rio de Janeiro. O documentário mostra a realidade desses três públicos, todos como protagonistas desta guerra civil ou “guerra particular”.

A obra inicia trazendo uma relação direta entre o número de homicídios e a expansão do tráfico de drogas no Rio de Janeiro, afirmando que essa expansão, a partir da metade da década de 80, mostrou-se diretamente responsável pelo crescimento do número de homicídios, na qual uma pessoa morre a cada meia hora no RJ, sendo 90% delas atingidas por munições de grosso calibre. Além disso, a Polícia Federal estima atualmente que o comércio de drogas empregue cerca de 100 mil pessoas no Rio de Janeiro, o que equivale ao número de funcionários da prefeitura da cidade. Ressalta-se que nem todas essas pessoas moram em favelas, no entanto, concentram-se em maior número nesses morros cariocas.

Do ponto de vista do profissional policial, afirma-se que se vive constantemente em uma guerra. Também é mostrado que a repressão social é a forma que a polícia tem de manter a ordem e o controle nas favelas. Só a repressão vai manter o controle de uma população que sobrevive em algumas condições as quais não têm muitas das suas necessidades básicas supridas. A corrupção também é um ponto tocado no vídeo, na qual armas são vendidas pela própria polícia militar para os traficantes, sendo, inclusive, algumas de uso restrito das forças armadas. Isso, aliado aos problemas sociais, apenas fomenta a manutenção dessa guerra particular.

Do ponto de vista do traficante, é mostrado que muitos seguem esse caminho pelo status e pelo poder; pelo poder de enfrentamento à polícia, pelo status que se tem diante da comunidade, pela posição social diante do sexo oposto, pelo poder de portar uma arma. O crime organizado e a vida no tráfico é uma ilusão para os jovens. Eles veem os trabalhos formais como algo de menor valor ou algo humilhante. Além disso, o jovem vê a rápida ascensão financeira dos colegas, o que ele dificilmente conseguiria seguindo normalmente os estudos e tendo um emprego formal. Há relatos por parte de um entrevistado em que ele alega que até poderia estar em um “trabalho humilde”, mas que não teria as condições ideais de vida, condições essas que consegue através do tráfico: boa alimentação, necessidades básicas garantidas, boas roupas, tênis “de marca”, muitas amizades, mulheres, dinheiro, festas, etc.

Do ponto de vista dos moradores, percebe-se que há uma preocupação dos traficantes em “cuidar” da comunidade, de garantir alguns serviços básicos que o Estado não é capaz de fornecer nas favelas: gás, medicamentos, alimentos, reformas nas moradias, materiais de higiene, etc. Então, nota-se que também há um benefício mútuo entre moradores e traficantes. E talvez essa seja uma forma de conquistar/persuadir a comunidade a acreditar que o tráfico de drogas, de algum modo, é benéfico para as favelas, ainda que a rotina dessas famílias seja marcada pelo “fogo cruzado” entre policiais e traficantes e pelo risco iminente à vida; pois, é esse mesmo tráfico que, por vezes, supre as necessidades que são negligenciadas pelo Estado, como a saúde, a segurança, a moradia, etc.

É inegável que a desigualdade social também contribua para essa situação. É muito mais fácil para um jovem decidir ganhar R$300 por semana no tráfico de drogas do que R$100 em um emprego formal. É muito tentador porque ele vê nessa situação as chances de ter “tudo” que nunca teve e ainda ajudar a família, além do status e poder que terá dentro da comunidade.

Por fim, o documentário deixa transparecer, acima de tudo pela perspectiva policial, que essa disputa será eterna. Diante da corrupção, da desigualdade social, das necessidades da comunidade que não são supridas pelo Estado e são supridas pelo crime organizado, não parece que essa guerra particular terá fim. Vale destacar que enquanto o único segmento do Estado que entrar nas favelas forem as polícias, nada vai ser resolvido. O Estado precisa subir no morro de outras formas, levando cultura, educação, saúde, entretenimento, segurança, desenvolvimento, lazer, etc.

Arrume sua cama: pequenas atitudes que podem mudar a sua vida... e talvez o mundo (Livro de William H. McRaven)

 

O livro traz dez lições de um almirante das forças especiais da Marinha dos Estados Unidos que reforçam que pequenas coisas podem mudar a forma como você enxerga os desafios impostos pela vida. Fazendo um paralelo com o livro, podemos correlacionar muitas dessas lições com o período de formação no Curso de Formação de Oficiais (CFO) na Academia de Polícia Militar do Paudalho (APMP).

O ato de arrumar a cama diariamente (e de forma impecável) é uma das lições que são trazidos no livro. Faz parte da rotina do CFO a arrumação da cama, algo que, anteriormente à leitura do livro, parecia ser algo sem sentido. No entanto, é importante perceber que esse ato é apenas uma metodologia para mostrar aos alunos que se deve começar o dia cumprindo uma tarefa e, além disso, cumpri-la com zelo e maestria, assim como devem ser feitas todas as tarefas ao longo do dia, com excelência. E, ao final do dia, ainda que todas as outras coisas deem errado, você terá a garantia e o orgulho de ter cumprido bem alguma tarefa.

Um ponto importante a se destacar é o quanto somos fortes juntos. Ninguém conseguiria concluir um curso de formação no nível padrão de exigência estando sozinho. Há uma ajuda mútua entre os alunos, de forma que um ajuda o outro nos momentos de dificuldades. E, dessa forma, todos conseguem concluir as missões propostas. A lição é que você nunca vai conseguir chegar longe estando sozinho. Você até consegue carregar um remo sozinho, mas para carregar o bote e realizar a travessia você precisa estar bem acompanhado. E o mesmo a gente pode levar para a vida: para chegar longe você precisa da ajuda da sua companheira, amigos, pais, família, etc. Além disso, muitas vezes a força de vontade supera algumas fragilidades. Por muitas vezes você não é o mais alto, o mais forte, o mais hábil, mas você pode ser o mais esforçado e o que sonha mais alto, e isso fará muito mais diferença no cumprimento de qualquer missão, seja no âmbito profissional, seja na sua vida pessoal.

Muitas vezes algumas coisas acontecem na formação militar que achamos injusto, que não vemos sentido naquilo. E o livro, em seu capítulo 4, fala muito bem sobre isso, afirmando que a vida não é justa e que você, ainda assim, precisa seguir em frente. A vida não tem obrigação nenhuma de ser justa com você. E, acredito que um dos valores que o CFO da APMP visa incutir nos alunos é exatamente esse, o valor de fazer o aluno “sentir na pele” algumas injustiças e saber lidar com isso, com maturidade física, mental e emocional diante dessas situações.

Por fim, o aluno precisa ter a percepção de que algumas coisas que acontecem, ainda que negativas, são potenciais oportunidades de crescimento. Ele precisa entender que tudo que acontece é para torná-lo mais forte. E, apesar das adversidades, o importante é não desistir, pois desistir não torna nada mais fácil. Por muitas vezes durante a semana zero, e por muitas vezes ao longo do curso, muitas pessoas pensaram e/ou pensarão em desistir, e isso é normal. No entanto, isso não elimina a dor e o sofrimento. Talvez apenas mude o foco: a dor física talvez mude para a dor emocional, para aqueles que sonham com a profissão e agora, ao desistir, não a terão mais e se arrependerão para o resto da vida.

Ao longo da leitura é possível fazer muitos paralelos com o curso de formação do CFO da APMP.  As dificuldades ao longo do curso não são insuperáveis, não são “sobre-humanas”. E precisamos entender que a vida também é cheia de fases difíceis e que em muitas delas não temos a opção de desistir. Por exemplo, em um acidente, em uma doença, em uma perda familiar, em uma demissão no emprego. Faz sentido desistir? Não! A vida segue e você deve se fortalecer com isso e seguir adiante para a próxima fase, sem autopiedade.