PARANDO PRA PENSAR sobre as lições de vida que o banal pode oferecer
Depois que passei a morar em uma casa descobri uma nova paixão: a jardinagem. Das ervas daninhas até à correção do pH do solo com calcário, eu me interesso. Com destaque para as palmeiras (imperiais, manila, areca, cyca, cyca revoluta, coqueiros, etc) e pés de fruta (mamão, jambo, manga, goiaba, caju, limão, pitanga e romã), todos plantados e cuidados aqui. No entanto, mais do que uma ornamentação, paisagismo, flores, frutos e contato permanente com a natureza, a jardinagem (algo extremamente banal como plantar um porcaria de uma semente) permite inúmeras reflexões e lições de vida, as quais com certeza farei questão de passar para os meus filhos.
Uma das primeiras coisas que eu vou ensinar para o meu filho é a jardinagem. E jardinagem, normalmente, a gente não aprende na escola. Ainda que isso seja aprendido, será a técnica, a prática, o processo de cavar, plantar, regar, deixar ao sol e esperar para ver brotar. Mas existe uma coisa por trás disso, a qual a escola não nos ensina. Na verdade, acredito que todas as coisas que realmente importam na vida a escola não nos ensina. É como o educador, escritor e filósofo Cortella diz: "a escola não faz educação, a escola faz escolarização, que é uma parte da educação". Logo, fica fácil de concluir que há alguma coisa errada na nossa formação enquanto cidadão, ou melhor, enquanto ser humano. Mas isso é para um outro texto. Retomemos, então, ao que primeiro irei ensinar ao meu filho.
Assim que for possível (cognitivamente) ele entender o sentido metafísico/conotativo das coisas, discutiremos quais as semelhanças que a jardinagem tem com a nossa vida. Antes disso, nós apenas cavaremos, plantaremos, regaremos, deixaremos o sol atuar e esperaremos para ver brotar, assim como ele poderá, talvez, aprender na escola. Caso não, assim começarei.
Visando uma discussão futura, plantaremos um pé de feijão e um pé de mamão, pois sei que o primeiro demora cerca de uns quatro dias para brotar, enquanto que o de mamão, umas duas semanas. Perguntarei o porquê de um haver brotado primeiro e o outro demorado tanto. É provável (e natural) que ele fique feliz pelo pé de feijão, mas ansioso, curioso e inquieto pela lentidão do pé de mamão. Discutiremos sobre isso. Por que algumas nascem mais rápido e outras não?
Após alguns dias, compraremos alguns vasos, sacos de areia adubada e algumas plantas. Escolheremos o local em que o vaso ficará, colocaremos a areia no vaso, plantaremos a planta escolhida e regaremos com a esperança de que no outro dia ela esteja mais bonita. Mas isso não vai acontecer. No outro dia ela estará menos vigorosa, frágil, com algumas folhas a menos. No entanto, após uma semana, aproximadamente, perceberemos juntos que a planta está retomando a sua beleza que vimos no momento em que a conseguimos/compramos. Discutiremos sobre isso. Por que em um primeiro momento ela parece morrer e depois de um tempo ela retoma sua beleza?
Após alguns meses, compraremos grânulos de fertilizante contendo nitrogênio, sódio e potássio. E depois de algumas semanas iremos perceber juntos que todas as plantas ficaram mais verdes, mais bonitas, mais fortes, deram mais flores e frutos depois de colocarmos o fertilizante. Nesse momento discutiremos qual a influência que o fertilizante tem para as plantas. Nesse momento discutiremos o que são esses elementos químicos e para que eles servem. Por que a planta passou a crescer mais depois que utilizamos o fertilizante? Poderemos também discutir nesse momento o porquê de as folhas serem verdes, e o porquê de as plantas precisarem da exposição ao sol.
E, em algum momento, discutiremos o quanto podemos obter lições de vida com o simples lidar com a jardinagem, o quanto poderemos ir além da razão biológica e fisiológica, da ciência da natureza em si. E a ideia é que ele perceba que o fruto que se come ou as flores que se compram para se dar de presente necessitam de um PROCESSO que tem início muito tempo antes do resultado final. A flor para ser flor ela precisou ser desejada, planejada, plantada, regada, cultivada, fertilizada, cuidada, para depois ser cortada e vendida. A fruta também precisou passar por todo esse PROCESSO. Ele vai entender que tudo na vida faz parte de um processo; que as coisas não já nascem prontas. Assim como na jardinagem, na nossa vida a gente precisa cavar (dedicar-se), plantar (dar-se), regar (investir), deixar o sol atuar (dar tempo ao tempo) e esperar brotar (colher os frutos). Se você cavou pouco, plantou pouco, você colherá pouco. Se você cavou de forma medíocre e plantou uma semente podre, você vai colher fruta podre.
O pé de feijão e o de mamão farão ele perceber que na vida nem tudo tem o tempo que queremos que tenha. Algumas coisas são imediatas, outras não. E não adianta que você queira que aquilo brote agora, a única coisa que você pode fazer é esperar. Apenas! Só! Não tem pra onde correr. A ansiedade e inquietude pode ser vã.
Ele vai perceber que depois de colocar uma planta em um novo vaso ela requer um tempo para se acostumar com o novo ambiente. Primeiro ela se restringe de toda sua beleza e força, para depois retornar à forma ideal. Ele vai perceber que tudo requer adaptação, e que cada planta tem o tempo, assim como cada pessoa tem o seu tempo.
Com o uso do fertilizante ele vai perceber que na vida precisamos sempre fertilizar as coisas e as pessoas ao nosso redor, pois as flores e frutos que colheremos delas (das pessoas), consequentemente, serão mais coloridas, mais doces. Aqui ele vai perceber também que há desenvolvimento sem o uso do fertilizante, no entanto, se existe um instrumento natural que me permita potencializar isso, é claro que parece ser mais interessante. Ele vai perceber que é sempre melhor utilizar instrumentos que motivem e estimulem as coisas e pessoas ao seu redor, assim como fez com as plantinhas que fertilizou.
Por fim, eu já velho e ele já adulto, e não me importando que ele seja jardineiro ou um grande empresário, o que me importa é que ele tenha contato com a jardinagem, o que me importa é que ele seja em algum momento da vida protagonista e responsável pela vida de um outro ser vivo (planta, pessoa, animal), e saiba que tudo que ele faz, que todas as atitudes que ele tem, podem trazer repercussões que FAÇAM CRESCER ou FAÇAM DESTRUIR, e que perceba que os frutos que serão colhidos por ele dependerão do QUANTO e de COMO ele vai decidir CAVAR e PLANTAR. E que não adianta querer que tudo aconteça no seu tempo, pois os frutos só estarão prontos para serem colhidos quando tiver de ser. Do contrário, poderá facilmente ter um sabor amargo.
Isso tudo eu tenho certeza que a escola não vai ensinar. E, na verdade, não tem de ensinar mesmo. Isso é algo inerente à formação do indivíduo, de caráter, de personalidade. Não se pode delegar TODA A EDUCAÇÃO à escola. É impossível formar uma personalidade das oito ao meio-dia, com toda uma desconstrução dessa formação no contexto extra-escolar. A formação do indivíduo ocorre fora da escola, e a ela cabe apenas CONTRIBUIR com essa formação.
E você, se nascesse hoje, qual seria a coisa mais importante a ser aprendida para a sua vida (e que, claro, a escola não ensinaria)?
Forte abraço!
Rafael Urquisa
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