16/06/2016

O que é mais importante: gravar na memória ou no cartão de memória?


PARANDO PRA PENSAR sobre a evolução tecnológica versus a involução humanológica

Certo dia pensei que ter uma GoPRO, para mim, que adoro aventura, seria perfeito, pois com ela eu poderia registrar todos os momentos sob uma ótica de "primeira pessoa", como se eu pudesse registrar aquilo que eu realmente estivesse vendo, inclusive na água e com aquela programação da lente angular (lente "olho de peixe"), na tentativa de ignorar minha memória visual e delegá-la à tecnologia. Então, comprei. Gravei vídeo com ela presa no peito enquanto me jogava de uma leve montanha coberta de neve, gravei um vídeo fazendo rapel de um helicóptero, fotos em baixo d'água, fotos de coisas interessantes, fotos com ela presa nos cachorros, fotos com ela presa no capacete, fotos de tudo, fotos de paisagens surreais, etc, etc, etc. E o que era engraçado é que nessas paisagens surreais eu tirava a foto na altura do meu rosto, na tentativa de registrar digitalmente o que os meus olhos viam. Minha nossa, que coisa patética. E, para piorar, agora me recordo que, em algumas viagens que fiz ano passado, eu levava um tablet na mochila, uma câmera digital em um bolso, a GoPRO no outro bolso e também o celular; e tirava fotos de todos. Para quê? Por quê? Na tentativa de tornar aqueles momentos incríveis em momentos inesquecíveis.

No entanto, o que torna o momento inesquecível é o fato de vivenciar o momento incrível com todo o foco possível, coisa que eu não estava tendo. E, depois desse pensamento, eu vi que não precisava de câmeras. Vendi a câmera digital. Vendi a GoPRO. E hoje tento ver as câmeras do celular e tablet como instrumentos, assim como a calculadora, que utilizamos quando precisamos. É incrível como as observações do mundo hoje em dia são feitas através das lentes das câmeras (mais ainda dos celulares) e não mais pela retina. São muitos "dados móveis" para poucas "associações neuronais". Hoje eu me sinto melhor, mais livre, com a simples preocupação de apenas olhar "além da superfície", sem necessariamente registrar isso de um modo que possa ser impresso; mas, sim, expresso!

Em uma última viagem (viagens são sempre momentos que requerem registros digitais), tirei fotos apenas para mostrar para amigos que 98% de Belo Horizonte é ladeira e 2% é plano (é como se fosse a Sé de Olinda ampliada, com uma ladeira da misericórdia em cada esquina; quase isso!) e para mostrar o tamanho dos pães-de-queijo. As ruas são incrivelmente limpas, organizadas, pessoas educadas, as praças são incríveis, tudo muito arborizado, tudo muito bonito, mas nem tirava o celular do bolso. A foto não me interessava. No entanto, eu não deixava de registrar nada! E, por isso, talvez, eu me lembre da moça do boteco que comprava pão-de-queijo (que tinha uma sotaque muito puxado/engraçado), do guarda municipal que perguntei como chegava à Praça da Liberdade, do cara dependurado a uns 10 metros de altura para cortar as folhas secas da palmeira em frente à praça, das crianças (nunca vi tanta criança junta, exceto em recreio de escola) brincando na praça, da beleza e organização milimétrica das palmeiras imperiais na Praça da Liberdade (vejam no Google Imagens), da roda de capoeira na Av. Afonso Pena, da beleza "colírica" da Lagoa da Pampulha, etc. Eu acho que quanto mais há a preocupação com fotos, menos se tem lembranças, por mais paradoxal que possa parecer.

Destaco que não estou condenando o ato de tirar fotos ou registrar os momentos que sejam importantes, mas de ser refém disso. Tem gente que ao ver um ídolo sequer olha para ele, senão pela lente da câmera que está a gravar. Tem gente que sequer olha para o eclipse, pois está acompanhando tudo pela gravação, pela tela do celular, enquanto grava ou tira fotos. É isso que é preocupante. É isso que é grave. E depois? Depois você só se lembra dos pixels. E pixels comprometem o saudosismo, comprometem a emoção do momento, o afeto. Isso que é preocupante. Isso a foto não capta, não registra, não retoma.

Talvez, no passado, certamente existam coisas de que eu só me lembre pelas fotos, porque eu simplesmente "esqueci" de ver com os meus próprios olhos. E o que é mais importante: salvar as fotos no cartão de memória e compartilhar ou salvar as memórias e compartilhar de dentro de você para o mundo? Cabe-nos parar pra pensar no quanto a evolução tecnológica vem nos involuindo, atrofiando.

Grande abraço!

Rafael Urquisa

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